sexta-feira, 11 de março de 2011

Conceito de Propriedade

Boa Tarde.

Hoje, inicio de fato, as publicações de textos que elaborei até o presente momento. Este primeiro texto, é puramente conceitual, e, faz parte de meu trabalho de conclusão de curso elaborado ao final de minha graduação, entitulado de "A Desapropriação Como Instrumento de Intervenção Urbana e Desenvolvimento Sócio Econômico".

O tema em questão, pelo qual tenho grande apreço, traz a necessidade de se caracterizar o conceito de propriedade, antes de passar à análise sistemática interdisciplinar (Direito Civil, Constitucional e Administrativo) dos institutos de função social da propriedade e os instrumentos de intervenção na propriedade privada, utilizados pelo Poder Público.

Desde de já agradeço a sua atenção e uma ótima leitura.




1 – CONCEITO DE PROPRIEDADE


                    Na antiguidade, há relatos de que os Babilônicos, antigo povo da Mesopotâmia, regidos por seu Código de Hammurabi já tratavam da compra e venda de bens móveis e imóveis. Também é previsto na Grécia antiga regida à época pelas leis criadas pelos legisladores Drácon e Sólon, e na Roma Antiga, pelos seus conjuntos de normas vigentes desde a sua fundação VIII a.C. até o período Justiniano no século VI d.C.

          Com a queda do império romano por volta do séc. V d.C. e posteriormente o início das invasões bárbaras, o sistema de propriedade antes utilizado em Roma foi totalmente descaracterizado, cedendo lugar a figura de domínio caracterizada pelo feudalismo.

          O feudalismo apareceu durante a Idade Média, em meados do séc. IX a XIII d.c, com a sua total extinção no séc. XV, caracterizado por duas pessoas que detinham poderes e direitos diferentes sobre a mesma propriedade, a um, o senhor feudal cabia-lhe o dominium directum (propriedade), e ao outro, o vassalo o dominuim utile (posse).

                    Neste tipo de sistema social - econômico - político, ocorria um verdadeiro contrato servil entre o senhor feudal e o seu vassalo, sendo que aquele cedia a este a fruição de determinada área de feudo, podendo o mesmo explora-la devendo sempre retribuição e fidelidade para com aquele.

                    Após séculos do predomínio do sistema econômico feudal, é na revolução francesa que o conceito de propriedade é ressuscitado e reconstituído de acordo com os moldes já pré existentes durante o império romano, ressaltando a individualização da propriedade tal como era outrora.      

          É na declaração dos direitos do homem e do cidadão[1], que o corre a primeira previsão legal de garantia da propriedade dentre os direitos fundamentais, como dispõe seus artigos 2° e 17º:

Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão.

Art. 17º. Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.

                    Por simples análise destes dois artigos destacados, podemos identificar que pela primeira vez a propriedade tornou-se uma extensão da personalidade humana, um verdadeiro direito da personalidade, sempre almejando um protecionismo deste direito fundamental.

                    É importante se destacar o direito do cidadão em face ao estado, sendo que a criação deste instituto também convenciona pela primeira vez os limites da ação estatal, limitando a sua ação discricionária em detrimento do direito do particular.

                    Entretanto com o efeito dessa individualização da propriedade, sendo o dono da propriedade senhor absoluto de seu domínio, começaram a surgir conflitos pelo uso indiscriminado de seus direitos proprietários subjetivos, ultrapassando a esfera do direito subjetivo individual ao ponto de colidir com o interesse individual de outros sujeitos da sociedade.

                    Desta forma o Estado teve que intervir na atividade econômica para poder proceder à regularização destas vontades esparsas e coibir os abusos das vontades das esferas individuais para o bem comum de toda a sociedade.

          Como imperiosa é a atuação do estado para dirimir as vontades extravagantes do particular, remanescentes do direito natural, o Estado foi compelido a delinear estas vontades de certa forma  para que não afetessem ao próximo[2], e, através do pacto social[3] que se perfaz e se concretiza tal premissa.

                    Para efeito de conceituação deste título, e sua correta caracterização, há de se observar o mesmo sob dois pontos de vista, o primeiro sob a ótica histórica correlacionando-se com um segundo momento, o ponto de vista contemporâneo.

                    Os romanos não definiram o direito de propriedade, apesar de terem criado dispositivos jurídicos análogos aos quais visualizamos hoje em nosso ordenamento jurídico, vindo a ser elaborado a partir da idade média, onde os juristas e estudiosos, procuraram extrair o seu conceito a partir de escritos e de leis referentes ao período o conceito.

          Tomando-se como base um escrito de Constantino, relativo à gestão de negócios, os estudiosos definiram o proprietário como um “regente e arbitro de sua coisa”, e sobre um fragmento de Digesto, resultou o conceito de propriedade como, “faculdade natural de se fazer o que quiser sobre a coisa exceto aquilo que e vedado pela força ou pelo direito.”.[4]

          É a partir desta premissa, que o direito romano e o liberalismo econômico definiam a propriedade como faz o código civil francês "o direito de gozar e de dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que não se faça delas um uso proibido pelas leis e pelos regulamentos”, [5]

                    No direito romano os elementos constitutivos da propriedade, se apresentavam da seguinte forma:

           Ius Utendi o direito inerente ao proprietário de ter e usar a coisa, dentro das restrições legais, a fim de evitar o abuso do direito, limitando-se, portanto, ao bem estar da coletividade. Ius Abutendi, o direito de dispor da coisa de acordo com a sua vontade, o Ius Fruendi é o direito à percepção, arrecadação dos Frutos e na utilização dos produtos da coisa, mais uma vez, de acordo com sua vontade. E por ultimo, mas não tão menos importante, a Rei vindicatio, é o poder que tem o proprietário de reivindicar ou reaver o bem de quem injustamente o detenha, utilizando-se de esforços necessários para tal, isto é, movendo ação pertinente para tal.
                                       
          A partir do exposto, há de se destacar que, com a devida vênia, de acordo com os ensinamentos do Prof°/ Des. Marco Aurélio de Mello[6], o conceito de propriedade deve ser estudado para sua melhor compreensão sob três formas distintas conforme toda boa doutrina dispõe: sintética, descritiva e analítica.

          Sinteticamente a propriedade decorre do poder do detentor sobre a coisa, em sentido lato, sendo a faculdade discricionária do detentor em dispor livremente da coisa, objeto ou direito, com a qual se relaciona como se dono fosse, não obtendo qualquer segurança jurídica sobre o direito em questão. [7]

          Discricionariamente a propriedade se classifica levando-se em consideração as suas características, esta mesma sendo “direito real absoluto, exclusivo, pleno, complexo, elástico, pelo qual o titular exerce a titularidade sobre um bem apropriável, excluindo qualquer ingerência estranha[8]”.

          Analiticamente, levam-se em consideração os direitos da propriedade e as faculdades do proprietário sobre a mesma (ius utendi, ius fruendi, ius abutendi e rei vindicatio), sendo este ultimo o conceito adotado pelo nosso ordenamento jurídico brasileiro, nos mesmos moldes referidos no direito romano.

                    Assim sendo, tal como no ordenamento jurídico romano, observamos de plano que o nosso código civil, sobretudo com uma nova roupagem, define o conceito de propriedade em seu art.1228 C.C:


Art. 1228 - “O proprietário tem a faculdade de usar (Ius Utendi), gozar (Ius Fruendi) e dispor da coisa (Ius Abutendi) e o direto de reavê-la de poder de quem quer que injustamente a possua ou a detenha (Rei vindicatio).”


                    Somente a título de curiosidade, apresento o dispositivo equivalente, da legislação cível já revogada:

Art. 524: “A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.” (Código Civil de 1916).


          Desta forma, podemos sintetizar a propriedade como sendo o direito que a pessoa física ou jurídica tem a faculdade, isto é, o direito subjetivo, dentro dos limites normativos e dos interesses sociais, de ter, usar, gozar e dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, bem como reivindicá-lo de quem injustamente o detenha.[9]


[1] Declaração dos direitos do homem e do cidadão (26 de agosto de 1789)

[2] HOBBES. “Pertence à soberania todo o poder de prescrever regras através das quais todo homem pode saber quais os bens de que pode gozar, e quais as ações que pode praticar, sem ser molestado por quaisquer de seus concidadãos, é a isto que os homens chamam de propriedade”. O Leviatã.

[3] ROUSSEAU. ”O homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil à propriedade de tudo que possui.”
[4]  Flávia Lages de Castro, pag. 94.
[5] Conceito clássico utilizado no código napoleônico, hoje em dia apontado pela doutrina como conceito sintético da propriedade, que não traduz em plena forma a essência do instituto, que será visto logo em momento oportuno em capítulo à parte.
[6] Aula presencial sobre Direitos Reais, ministrada em 14/02/2009, Cejusf, Volta Redonda – RJ.
[7] “Pois, apesar de qualquer homem poder dizer de qualquer coisa “isto é meu” não poderá usufruir dela, pois seu vizinho, portando igualdade em direito e poder, pretenderá que seja dele a mesma coisa.” Thomas Hobbes, do cidadão, cit pág.36
[8] Prof°/ Des. Marco Aurélio de Mello, Aula presencial sobre Direitos Reais, em 14/02/2009, Cejusf, Volta Redonda – RJ.
[9] Evidentemente que tal faculdade subjetiva e discricionária de dispor de direitos não englobam os direitos indisponíveis tutelados e constantes em nossa maxima legis.
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Como citar este texto:

NOVAES, Humberto Pollyceno. Conceito de Popriedade. Fragmento de texto retirado pelo próprio autor, de trabalho de conclusão de curso "A Desapropriação Como Instrumento de Intervenção Urbana e Desenvolvimento Sócio Econômico". Volta Redonda - RJ, 11 de março de 2011. Disponível em http://www.humbertonovaes.blogspot.com/.

Bibliografia:

ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano, Vol. I e II, 13ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2004 .

BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil – Comentado, Vol. I, 3ª tiragem, Rio de Janeiro, editora Rio, 1977.

CASTRO, Flavia Lages de. Historia do Direito - Geral e do Brasil, 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. 

Código Civil Brasileiro 2002. Legislação Brasileira, 10ª edição. São Paulo: saraiva, 2004.

           HOBBES, Thomas. Do cidadão, 1ª edição, Obra Prima de Cada Autor, São Paulo: Martin Claret, 2006.


ROUSSEAU, Jean – Jacques. Do Contrato Social, 1ª edição. Obra Prima de Cada Autor, São Paulo: Martin Claret, 2007.

           VENOSA, Sílvio de Salvo. Direitos reais. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2002.

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